domingo, 23 de agosto de 2009

Antoninho Marmo Trevisan: “Brasil dá lições ao mundo na crise”

Economia Rodrigo de Almeida
RIO - Habitualmente bem-humorado, o empresário Antoninho Marmo Trevisan tem estado especialmente festivo neste inverno. Credite-se a dois êxitos gloriosos – um seu, em particular, e outro do país.
Primeiro, está comemorando este mês 10 anos de fundação da Trevisan Escola de Negócios, concebida para formar profissionais dedicados ao ambiente corporativo, iniciativa surgida depois que o grupo conquistou uma sólida credibilidade nas áreas de auditoria e consultoria empresarial. O segundo motivo de alegria resulta do desempenho da economia brasileira em tempos de crise internacional. Para ele, o Brasil tem dado lições ao mundo de como enfrentar a turbulência. As duas coisas unem-se por um fio comum, como mostra Trevisan na entrevista a seguir. “A crise mostrou que há uma necessidade muito grande de construirmos padrões de ensino que sejam ligados a cada país”, sugere o empresário-educador.
Na conversa, o empresário põe o dedo na ferida do modelo de educação que costuma distanciar o aluno da realidade, maneira ultrapassada e contraproducente de preparar as novas gerações para o desenvolvimento. Também analisa duas formas de lição – sobre a crise e sobre a formação dos novos profissionais. Nos dois casos, sublinha, a velocidade das mudanças e a complexidade das soluções adornam o imperativo da competitividade.
A Escola de Negócios Trevisan está completando 10 anos neste mês. Qual o balanço da data?
- É um balanço de felicidade. Primeiro, é a satisfação de ter criado uma instituição que ficará por mais 10, 20, 100 anos. É saber que essa iniciativa começa a colher frutos. Reunimos em coquetel de comemoração vários empresários do país e pude ver o respeito que eles têm pela questão da educação. Esses 10 anos mostraram a importância da educação, sobretudo essa educação na qual estamos envolvidos. Segundo, essa crise econômica mostrou que há uma necessidade muito grande de construirmos padrões de ensino que sejam ligados a cada realidade, a cada país.
Para uma crise, efeitos e soluções diferentes...
- Exatamente. O Brasil tem características próprias e está saindo da crise com instrumentos muito particulares, fazendo distribuição de renda forçada e gerando pressão para novos investimentos. O terceiro ponto é que a capacitação das pessoas tornou-se uma necessidade quase continuada. Com a crescente necessidade de convergência do mundo tributário, financeiro, administrativo e contábil, não há mais como abandonar os bancos escolares. Nesse aspecto, nossa escola ficou bem posicionada. O quarto é último ponto a comemorar é a satisfação de ser referência entre os auditores. Uma parte significativa de nossos alunos é encaminhada pelas próprias empresas de auditoria, ou seja, concorrentes da nossa empresa de auditoria. Ser escolhido por um concorrente seu confirma que fizemos um bom trabalho nesses 10 anos.
Nesses 10 anos, o que mudou no perfil do ensino numa escola de negócios?
- O dinamismo da economia ganhou uma velocidade tal que só mesmo uma escola ligada ao mundo empresarial consegue traduzir e implementar seu programa com a mesma velocidade com que as mudanças ocorrem. As melhores escolas de negócios do mundo, inclusive a de Harvard, estão revendo suas posições. Antes, viam um livro ser lançado e depois de alguns anos de análise o incorporavam na grade curricular. O dinamismo da economia se acelerou de tal maneira que não há mais como fazer isso. Quando criamos a escola, há 10 anos, o que fizemos? Pensamos numa escola sem lápis e sem papel. O aluno fica antenado ao seu laptop. Isso há 10 anos... A maneira como é preciso ensinar hoje executivos e jovens estudantes tem de ser a prática vivenciada pelas empresas. A performance das empresas está ditando o que estamos ensinando. As empresas serão cada vez mais escolas, e as escolas serão cada vez mais empresas. Essa é uma convicção que temos desde o primeiro dia.
Há uma análise corrente segundo a qual há um distanciamento entre empresas e escolas.
- É verdade. Para você ter ideia, há poucos dias eu estava no Rio coordenando um colóquio na Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Participei na condição de integrante do Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES, órgão consultivo da Presidência da República). O colóquio discutiu inovação tecnológica e o aprimoramento e a ampliação dos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Há uma enorme distância entre a academia e o mundo empresarial. A academia produz ciência, o mundo empresarial cria produtos e serviços. Ocorre que ambos não se falam. A Escola de Negócios Trevisan conseguiu trazer esses dois lados. Não é por outra razão que você cruza com empresários o tempo todo na escola.
O senhor falou das mudanças nas empresas e nas escolas. E o perfil do profissional, o que mudou nesses 10 anos?
- O principal atributo é que ele precisa estar aberto ao conhecimento. O segundo atributo é uma profunda habilidade desenvolvida para administrar o conhecimento. A informação, não o conhecimento, está vastamente disponível, acessível, acessável. O profissional tem de aprender a administrar essa informação e transformá-la em conhecimento, seja no curso de administração, ciências contábeis, marketing e relações internacionais. Desde o primeiro dia de funcionamento da escola, nós não temos laboratório de informática – é algo até curioso que ainda exista. A sala de aula já é um laboratório de informática, o aluno já está ligado a esse ambiente e a cada semestre é desafiado a apresentar no seu grupo um trabalho, de maneira que ele tem oito semestres e oito teses para apresentar. Com isso, ele sai preparado para, no ambiente de trabalho, compartilhar ideias, defender posições, transmitir conhecimento e liderar. As escolas mais antigas estão tentando correr atrás desse prejuízo. O fato de nós termos sido criados no mundo eletrônico acelerado, de conhecimento acelerado, nos dá grande vantagem. Para nós é natural o que as outras escolas estão tentando incorporar. O mundo corporativo é o mundo em que trabalhamos.
Mas o atraso das escolas é um problema nacional ou internacional?
- Essa discussão ocorre no mundo inteiro. Harvard chegou à conclusão de que o conhecimento que ela transmitia era pouco útil para as empresas. Não posso me afastar do mundo para o qual estou formando pessoas. É comum o mundo acadêmico negar a existência do mundo corporativo.
Essa negação é mais comum nas escolas públicas ou atinge universalmente públicas e privadas?
- É mais forte, sim, nas escolas públicas. Nelas em geral há uma aversão ao lucro e uma demonização do ambiente empresarial. O que é, evidentemente, uma enorme tolice. Basta ver o fato de que o Brasil produz ciência, mas não produz patentes. É algo maluco. É uma ciência, mas não é uma ciência aplicada. O mundo acadêmico tem de produzir respostas e soluções. A Trevisan Escola de Negócios, sem modéstia, nada de braçada.
A educação é costumeiramente tratada como essencial para o desenvolvimento de qualquer país. No Brasil, as práticas correspondem aos discursos?
- Sou um apaixonado pela educação. Lamentavelmente, nós nos ocupamos, sobretudo no ensino fundamental, a gastar o tempo a ensinar quais são os afluentes do Rio Amazonas na margem esquerda e quais são os afluentes do Rio Amazonas na margem direita. E não explicamos o que é uma carteira de identidade e como exercer a cidadania. Educamos crianças e jovens a viver num mundo que não existe. As pessoas não sabem o que é um imposto, como paga na hora em que compra um refrigerante. O Brasil se afasta da realidade. Parece complexo de um país colonizado, que prefere estudar a França e não tratar de indicar o valor do voto. Nós fugimos do mundo real. Não se ensina aos jovens como é o mundo da gestão. Prefere-se ensinar derivativos a ensinar como se abre uma empresa. Um dentista, um engenheiro ou um médico não têm a menor ideia do que farão quando chegarem lá fora. Engenheiro não é um ser abstrato. Ou ele trabalha numa empresa ou vai abrir uma. Mas as escolas não o ajudam a entender o país onde ele está.
Isso passa também por uma política pública para a educação. Na sua avaliação, houve avanço entre o governo Fernando Henrique e o governo Lula?
- Só o fato de termos criado o Prouni já garantiu à educação brasileira um momento glorioso. O Prouni, criado no governo do presidente Lula, permitiu a jovens que jamais teriam acesso a escolas de primeiro nível pudessem, através do programa, frequentar uma universidade privada de altíssimo gabarito. Isso é como retomar um padrão que ocorreu no passado. Eu estudei em escola pública e me habituei a ter colegas de diferentes padrões. De 30 anos para cá isso se alterou. A educação colocou cada um num nicho diferente. O Prouni resgata aquela possibilidade perdida.
Ou seja, não só se permite o acesso a escolas de alto nível como ajuda a derrubar barreiras de classe, de renda, de cor...
- Exatamente. Até porque as classes sociais vão se esgotando. Quando mais altas, vão esgotando sua capacidade de gerar talentos. Quanto mais abrangente, mais a oportunidade de ter talento. Há um vasto universo a incluir nos morros e nas periferias. Esses talentos estão começando a ter uma grande oportunidade.
Nos últimos 10 anos houve uma profissionalização e uma internacional crescente entre as grandes empresas brasileiras. O que houve de mudanças relevantes no período?
- Acho que mudou, entre as empresas, a percepção da competitividade. O ambiente de negócios brasileiros nos últimos 10 anos se alterou na exata medida em que foram se abrindo os portos a todas as nações. E você se viu diante de um competidor chinês, americano, coreano, indiano, e tendo que compreender diferentes culturas e não tendo uma alternativa para competir senão com a melhoria de sua produtividade. As empresas brasileiras, em que pese não ter atingido ainda a melhor posição, deu um grande salto nessa melhoria de produtividade. Fez isso para sobreviver, caso contrário teria desaparecido. As empresas tiveram de aprender a fazer isso. Veja o setor agrícola. Houve saltos inimagináveis. Veja o ambiente contábil. Se você olhar, a convergência foi essencial. A contabilidade brasileira era muito específica. Era bem brasileira. A maneira de as empresas apresentarem seus balanços era de brasileiro para brasileiro. Agora é de brasileiro para o mundo. Contadores foram estudar as práticas mundiais. E fizeram isso com uma rapidez e uma competência incríveis. Olhe o balanço de uma Gerdau, de uma Vale... É o mesmo balanço que há nos EUA, para qualquer investidor. Basta ver que as ações de empresas brasileiras são mais negociadas nos EUA do que no Brasil. O padrão passou a ser um padrão mundial.
Isso para as grandes empresas. E as menores? Qual o espaço destinado a elas?
- Elas descobriram as chamadas redes. Há hoje redes de atuação que vão desde a empresa que fabrica alfinete, a drogarias, a pequenas boutiques. Você consegue se inserir numa rede mundial com enorme facilidade. Basta acessar a internet. Sou apaixonado por essas redes. Dirijo uma ONG na qual trabalham quatro pessoas. E estamos em todo o Brasil via redes de merenda escola. A BDO, que se juntou à Trevisan, é uma rede internacional de auditores. Uma empresa brasileira de auditoria estaria fadada a ficar isolada. A partir daí eu atendo no Brasil, na China, na Rússia, onde eu quiser. As empresas menores têm hoje essa enorme possibilidade de se incorporar a essas redes. Eu estava pesquisando sobre perfumarias porque o meu irmão mais velho, o João Silvério Trevisan, está lançando um novo romance (O rei do cheiro, que conta a história de um perfumista que fica famoso por causa do seu produto). Eu tenho plantação de eucaliptos e, em Dois Córregos, no interior de São Paulo, descobri uma empresa que processa folhas de eucaliptos. Produz óleo e exporta para o mundo todo. É como o papel do educador: gerar informação e ajudar o aluno a interrelacionar-se com o resto do mundo. Com isso o Brasil teve enorme avanço. A atual crise econômica é um bom exemplo disso. Estamos sendo chamados a ensinar.
Como assim?
- Fui recentemente a Bruxelas com outros integrantes do Conselhão debater com o conselho de desenvolvimento econômico europeu. Éramos oito ou nove. Passamos dois dias explicando como fizemos as melhores práticas para termos esse resultado diante da crise.
Há 10 anos íamos pedir ajuda.
- Sim, e nos acusavam de sermos indisciplinados, bagunceiros, descumpridores de contratos. Nesses 10 anos houve uma enorme preocupação em disciplinar a coisa pública. A lei de responsabilidade fiscal é um marco. Deu um norte. Depois, o governo Lula reforçou esse marco regulatório e inseriu uma coisa nova, uma rede social profunda, que derrubou o paradigma de que é preciso primeiro concentrar para depois distribuir. Fez diferente. Gerou demanda e pressionou por investimentos, sem que houvesse inflação, que era a grande ameaça. Portanto, os investimentos estão acontecendo em função dessa demanda. E os países estão interessados em conhecer esse modelo.
Na resposta à crise, o que nos garantiu certa saúde mesmo com a turbulência internacional?
- Primeiro, um ambiente financeiro muito bem posicionado. Segundo, o endividamento das famílias brasileiras estava extremamente baixo se comparado a outros países. O Brasil também não tinha desenvolvido a prática dos derivativos. Isso tudo dentro do ambiente que se implementou, com redução dos juros, toda a ação para não faltar o crédito, não deixar que o câmbio se perdesse e não permitir o desemprego em massa. A soma disso tudo foi a responsável para que essa retomada se desse rapidamente. Claro que ainda há um longo caminho pela frente. Uma coisa é manter o paciente vivo na UTI. Você tem de tratar os órgãos vitais. Depois é que começa a cuidar do bem-estar do paciente. É o que temos de fazer agora.
O empresariado brasileiro está mais otimista? Ele se assustou em demasia em setembro/outubro do ano passado...
- Sim, está muito mais otimista. Percebo pelas consultorias, pelos projetos retomados com muito vigor, pelo sistema financeiro preocupado em acelerar a oferta de crédito. Vamos ter uma retomada agora dos IPOs. Isso tudo vai resultar num novo ânimo para a economia.
E 2010? Será a primeira eleição sem Luiz Inácio Lula da Silva desde a redemocratização. O senhor foi eleitor dele em todas as eleições. O que muda agora?
- Nada (risos). Não muda nada. Essa é a grande vantagem. Nossa democracia recente adquiriu determinados valores que não permitirá que governantes aventureiros façam o que quiserem. O futuro presidente terá um aparato social, um ambiente econômico, uma rede social relevante, um marco regulatório definido em praticamente todos os setores – exceção ao que é preciso melhorar em aeroportos e portos, mas há marcos regulatórios muito bem implementados. Temos um Judiciário funcionando. Temos um Legislativo amadurecendo, apesar dos escândalos, que fazem parte do jogo democrático. Não acho que teremos mudanças muito acentuadas.
O senhor seguirá a recomendação do presidente Lula e votará na ministra Dilma Rousseff?
- Estou apreciando cada candidato (risos). Eu me sinto muito independente. Mas acho que o presidente Lula fez um governo exemplar.
JB- Economia - 22/08/2009

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